IDI
AMIN
"Em Outubro e Novembro de 1975 –
duas partes – teve lugar em Kampala uma “Reunião de Emergência” da então
chamada Organização da Unidade Africana ( OUA ). A temática geral era a
independência das ex-colónias portuguesas e muito especificamente a de Angola,
cuja data anunciada se aproximava – 11 de Novembro.
A reunião foi formalmente convocada
por Idi Amin, que então presidia ao Uganda bem como à OUA, e Portugal foi
convidado a integrá-la como observador – o que aceitou. Fui, como Embaixador
dos Serviços Externos (Roving Ambassador
ou Embaixador Itinerante) que na altura era, chefiar a delegação portuguesa,
considerando em especial a conveniência do acompanhamento das sessões por
“Lisboa”, apesar de institucionalmente não poder nela intervir nem, como se verificou,
assistir a todas elas sendo o critério da escolha o da presidência.
Depois de uma tormentosa travessia
do Canal da Mancha de Londres para Frankfurt, em que no avião se pôde avaliar a
imensa religiosidade de grande maioria dos passageiros, chegámos ao aeroporto
de Entebbe – recente e airoso, a 35 quilómetros de Kampala - pelo alvorecer.
Esperava-nos, e a outras delegações que utilizaram o mesmo voo, uma frota de
Peugeots com matrículas estatais exclusivas e de tal modo identificadas e
conhecidas que muita gente que circulava na estrada, ao vê-las, se atirava para
a berma, valeta ou mata contígua.
Fomos instalados num complexo
composto por um hotel e um edifício onde se localizava o salão de conferências,
ligados por um corredor coberto. Dispunha de uma pista heli , era isolado e
cercado por duas redes de arame farpado entre as quais circulavam cães de
guarda, para além da segurança, discreta, diga-se.
Cerca das 10H30 o sono reparador
foi interrompido para que descêssemos a fim de assistir a uma parada que nos
era oferecida: uma charanga e uma companhia de ugandeses/escoceses da guarda
pessoal de Idi Amin, que tinha uma certa obsessão pela Escócia. Impecavelmente fardados,
homens e mulheres evoluíram no terreno marchando com aquele balancear dançante
tão característico das tropas africanas. Bonito de se ver.
Por três vezes tivemos encontro
pessoal com Idi Amin .
Num intervalo separador das duas
fases acima aludidas e que adiante explicitarei, Idi Amin deslocou-se à ONU,
onde discursou.
Na televisão a cores que tínhamos
nos quartos do hotel pudemos ver, e ouvir em 5 línguas ou dialectos,
repetidamente, sem outra escolha possível, o que ali disse sobre o que o mundo
em geral e vários países em particular deveriam fazer, numa saturação de que necessariamente
haveria de resultar para os ugandeses a ideia de que o Uganda e o seu
presidente eram o centro daquele mesmo Mundo.
Nas sessões, sobressaía na
discussão o posicionamento muito radical e agressivo da Somália – relativamente
ao qual obtive excepcionalmente a palavra - e a moderação de Marrocos, com cujo
embaixador em Lisboa eu tinha um bom relacionamento e que lá, em encontros um
tanto discretos, me dizia da sua opinião e de como decorreram as sessões a que
eu não assistira. Foi discutida, entre outras coisas, a conveniência e
viabilidade de um governo de unidade nacional, daqui resultando a ideia da
utilidade de uma deslocação de delegações a Angola, para apreciação da situação
in loco.
Idi Amin pôs o seu avião à
disposição e eu acordei essa ida com o CAlmirante Leonel Cardoso, Alto
Comissário.
Houve um intervalo em Kampala, as
delegações da OUA visitaram Luanda (10-14 Out), Nova Lisboa (15-17 Out) e
Ambriz (17-19 Out) onde contactaram as autoridades portuguesas e as direcções
do MPLA, da UNITA e da FNLA. Nós viemos aguardar em Lisboa o reinício das
actividades na capital ugandesa.
Dos trabalhos e discussão foi
evidentemente elaborado um comunicado com as conclusões que estará, como o meu
relatório, nos arquivos do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
O encontro terminou com um party num patamar de uma encosta sobre o
Lago Victória, um local espectacular que os ingleses sabiamente tinham eleito. Comeu-se
e bebeu-se o que é habitual nesses eventos e formaram-se vários e mutáveis
grupos de conversa, até que em certo momento avançou um bando de “vivandeiras”,
chilreantes, que se dispersaram por esses grupos mostrando a sua
disponibilidade.
Certo é que, pelo para-brisas
traseiro de muitos carros se via, no regresso, as silhuetas de duas cabeças a
caminho do hotel. Amabilidades de anfitrião zeloso…"
2017-03-14
Manuel da Costa Braz