Novembro de 1934



Dizia a minha mãe e os familiares mais directos e contemporâneos, que eu nasci à 01 h 15, no dealbar do dia 4 de Novembro do ano da Graça de 1934. Foi “da graça“ porque o ano, ao que também dizem, foi de boas colheitas de toda a natureza. O meu pai, por exemplo, era muito enfático nessa opinião. E foi já num domingo, para que para mim fosse sempre tido como tal.

O parto teve lugar em casa, assistido pela parteira oficial da terra, que essas modernices das maternidades ou hospitais só viriam bastante mais tarde e a destempo no caso vertente.
Tão relevante acontecimento teve lugar no Pombalinho, descuido de uma mosca num mapa das estradas a sul da Golegã, perto do Tejo e da terra que o Saramago fez nascer para a curiosidade pública, a Azinhaga, cuja localização tem sido objecto de alguma pesquisa depois de 1999. Ribatejano, e Escorpião para os curiosos da astrologia.

Não houve posteriores eventos similares. Fui portanto, domesticamente falando, exemplar único, condição que os meus pais não quiseram alterar.
Diga-se de passagem que essa circunstância, em certas alturas, não foi do meu inteiro agrado, tanto assim que escrevi na página interior do meu livro da primeira classe que a minha mãe guardava religiosamente e sobrou de uma cheia do Tejo que lhe entrou em casa em 1979 e levou muitos outros por água abaixo: “este livro há-de ser para o meu irmão”. Sem erros ortográficos.

Mais tarde, preocupou-me a ideia um tanto fixa do que seria para os meus pais o meu eventual desaparecimento por uma qualquer razão e forma. Confesso que, com alguma angústia, tal coisa me vinha à cabeça de quando em vez guardando eu disso segredo, tudo constituindo matéria para boas elaborações psicológicas por quem as saiba fazer. É matéria seguramente já estudada.

Mas tenho uma irmã colaça, a Maria Adelaide, um mês mais velha do que eu.
A mãe dela, então abundante de físico e de leite, a Maria Saúde, era vizinha dos meus pais e a minha teve um percalço nos seios que lhe tornava tormentoso o meu aleitamento com a matéria-prima da casa.
Fui bem tratado. E eu e a minha “irmã” comemoramos a circunstância de quando em vez, participando ela até com um excelente pão caseiro que fabrica em casa como em antigos tempos. Com chouriço.
   


Manuel da Costa Braz